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20.7.12

Bumba-meu-boi: o folclore do Maranhão na pré-escola

Cristiane Marangon, de São Luís (novaescola@atleitor.com.br)

Assim como em todo o Brasil, a festa junina no Maranhão tem fogueira, bandeirinhas e comidas típicas. Mas tem também um diferencial, o bumba-meu-boi. Quando terminam os festejos natalinos, os grupos de bumba-boi, como são chamados, iniciam as reuniões que duram até o fim de abril. Nesses encontros preparam enredos, músicas e coreografias. Em maio começam os ensaios, que vão até 13 de junho, Dia de Santo Antônio. A apresentação só acontece no batizado do boi, que ocorre na véspera de São João, dia 23. Aí se inicia uma grande festa sem hora para acabar. No dia 28, véspera de São Pedro, outro arrasta-pé e no dia de São Marçal, 30, todos se reúnem para a última comemoração.
O bumba-meu-boi está incorporado ao cotidiano maranhense e, como não poderia deixar de ser, já fazia parte do calendário escolar, embora apenas como entretenimento no final do primeiro semestre. Foi por isso que a professora Roselene da Silva Gonçalves, do Jardim de Infância Nielza Lima Matos, em São Luís, decidiu criar o projeto Vivendo e Aprendendo a História do Bumba-Meu-Boi. O objetivo era explorar a brincadeira e suas diversas formas de representação, chamadas de sotaque. "As manifestações artísticas e culturais maranhenses se encontram arraigadas no coração e na alma de nosso povo", diz Roselene. "Porém, na maioria das vezes a transposição desses valores se dá de forma superficial, propiciando, no máximo, um reforço do entendimento de questões que eles já conhecem independentemente dos conteúdos escolares."

O trabalho começou com uma aula na praça folclórica São Roque, em frente à escola, no bairro de João Paulo. "Ela é um marco na cidade", afirma a professora. "No Dia de São Marçal, os brincantes, como são chamados os participantes da festa, finalizam ali as comemorações." A intenção de Roselene era despertar a curiosidade e, durante o tempo em que estiveram na praça, ela e os alunos conversaram sobre a importância do espaço.

Muitas dúvidas surgiram, como quem inventou o auto, por que alguns foliões usam chapéu de fita e outros de pena, onde fica o boi depois da dança etc. Roselene anotou tudo para saber por onde conduzir suas aulas. A professora do curso de Pedagogia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Neide Barbosa Saisi diz que é importante perceber o interesse dos alunos. "Com isso ela captou o rumo do olhar da criança", afirma Neide. 
Síntese do trabalho
Tema: Valorização da cultura regional

Objetivo: Conhecer os valores e as tradições culturais nativas; desenvolver atitudes de respeito e solidariedade necessárias à preservação e continuidade do folclore; promover a criatividade por meio de atividades com música, dança, desenho e confecção de fantasias; aproveitar o tema para trabalhar outros eixos curriculares como Linguagem Oral e Escrita, Matemática e Natureza e Sociedade

Como chegar lá: O primeiro passo é fazer uma discussão em grupo que revele o que as crianças sabem sobre o assunto e quais são as dúvidas. Pesquise e em seguida escolha um museu onde os alunos possam entrar em contato com os elementos do folclore. Produza todos os elementos necessários e marque uma apresentação

Dica: Se não tiver um museu na cidade, reúna livros e materiais que os pais, colegas ou a comunidade têm em casa
Participação dos pais
Com as perguntas iniciais levantadas, Roselene reuniu pais e alunos para apresentar o projeto e saber o quanto as famílias conheciam sobre o folclore. Percebeu que nem mesmo os pais tinham muitas informações. "As pessoas brincam o bumba-meu-boi sem saber seu real significado", explica Roselene. "Só quem participa da festa conhece a história verdadeira."

Seguindo em paralelo com o cronograma da festa maranhense, Roselene levou a turma ao Centro de Cultura Popular Domingo Vieira Filho. Queria pô-la em contato com as tradições. O Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil diz que esse tipo de vivência desde o início da vida escolar é fundamental, pois nessa fase ocorre a construção da identidade, o desenvolvimento da autonomia, a descoberta da importância de cada um na sociedade e a necessidade de preservação de tradições e valores que a sustentam. É um desafio da escola focar o currículo nos saberes da cultura popular.

As crianças assistiram a palestras e projeção de vídeo e conheceram os diferentes sotaques. Com as dúvidas iniciais esclarecidas, o boi-de-orquestra foi eleito como estilo a ser representado. Era chegada a hora de pôr o conhecimento em prática.  
O auto do bumba-meu-boi
O teatro encenado pelo povo maranhense também é chamado de matança do boi. A festa surgiu com o ciclo econômico do gado e sofreu influências indígena, portuguesa e negra. A brincadeira é aberta a todos, homens e mulheres, idosos e crianças, e conta a história de Pai Francisco e Catirina, sua mulher, que moravam em uma fazenda onde ele era vaqueiro escravo. Grávida, Catirina deseja comer a língua do novilho de estimação do rico fazendeiro e pede a seu marido que satisfaça sua vontade. Mesmo contrariado, Pai Francisco atende ao pedido da mulher para que o filho não nasça com problema de saúde. Quando inicia a matança, ele é descoberto. O casal foge com o animal, mas, sendo aquele o boi predileto do patrão, inicia-se uma busca. Depois de várias tentativas, os índios acham os fugitivos e o boi morto. Todos são levados à presença do patrão e o curador é chamado para ressuscitar o boi. Enquanto isso, Pai Francisco apanha muito e é obrigado a ajudar no trabalho de ressurreição. O animal, então, ressuscita com um grande urro e o casal é perdoado. Segue uma festa com comidas, bebidas, cantorias e danças a noite toda.

Os sotaques são os ritmos musicais utilizados nas toadas. Cada um possui instrumentos específicos que determinam a batida e as evoluções dentro da brincadeira. Os mais tradicionais são matraca, zabumba e orquestra. Além destes, existe o sotaque de pindaré, também conhecido como pandeirões.
 Música e movimento 

Nesse momento foi possível atender a alguns objetivos gerais sugeridos pelo Referencial. Em Movimento, por exemplo, os alunos tiveram de ensaiar, embora já soubessem dançar o bumba-meu-boi, que otimiza a percepção de um ritmo comum e a noção de conjunto. Em Música, todos os instrumentos puderam ser utilizados, procurando valorizar as diferentes regiões, assim como aqueles construídos pelas crianças. Roselene estimulou ainda a criação de uma canção para ser apresentada no dia da festa, detalhando mais o trabalho com a audição, o que é recomendado nessa faixa etária.

No campo das Artes Visuais, além de visitar o museu as crianças maranhenses produziram fantasias, desenhos e alguns instrumentos. As roupas exigiram uma mãozinha da família. Os pais se envolveram e, durante dois dias, trabalharam em oficinas. "Foi um momento de integração", garante Roselene.

O projeto, que começou em abril, terminou em junho com a festa do bumba-meu-boi do município. "Tenho certeza de que essa turma aprendeu muito mais do que as anteriores, pois ela vivencia a cultura popular", conclui satisfeita a professora.

Outros conteúdos 
Além de estudar o folclore, Roselene aproveitou os quase três meses do projeto para abordar outros conteúdos. "A integração de vários eixos curriculares dá mais consistência ao projeto", comenta Neide. "Isso só acontece quando a escola se apropria do tema, no caso o próprio cotidiano."

A turma exercitou a leitura e a escrita de textos sobre o boi. No eixo curricular Linguagem Oral e Escrita, a criança que ainda não sabe ler de forma convencional pode ouvir a leitura do professor. Isso promove a ampliação do universo discursivo por meio do conhecimento variado de produções escritas, apresentação oral, entrevistas etc.

Em Matemática, os alunos passaram a distinguir figuras geométricas, comprimentos, tamanhos e quantidades. Trabalhar noções matemáticas atende às necessidades da criança para viver, participar e compreender um mundo que exige diferentes saberes e habilidades. Em Natureza e Sociedade, a turma discutiu a utilidade do boi como animal para o ser humano e fez uma pesquisa com pessoas da família que são brincantes.

Na Educação Infantil, como em outros níveis escolares, o conhecimento prévio é essencial. Todo professor deve levar isso em consideração porque é preciso partir do que a criança já sabe para depois disponibilizar novos conteúdos. "Todo o movimento que a educadora fez é louvável", elogia Regiane. A forma de buscar, pesquisar, trabalhar em grupo, contextualizar, tudo isso é importante na pré-escola porque é o primeiro contato dos pequenos com as diferentes formas de aprender. "Não importa o que ele vai estudar no futuro. Com certeza vai sempre se lembrar de que foi na Educação Infantil que aprendeu a ser estudante."

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