As Comemorações Juninas no Brasil: As relações sociais e o
compadrio
Outro fato que ajuda a compreender a importância desses festejos
está relacionado com a forma de sociabilidade que foi característica da
sociedade brasileira. Desde o período colonial até meados do século XX, a
maioria da população de todas as regiões do Brasil vivia no campo (até 1950,
70% da população brasileira vivia na zona rural; hoje, mais de 70% vive nas
cidades). Fossem colonos e agregados das fazendas agrícolas ou vaqueiros em
grandes fazendas de gado, fossem pescadores nas regiões litorâneas ou
seringueiros na Amazônia, fossem sitiantes por esse Brasil afora, os
brasileiros viviam integrados em grupos familiares, entendendo-se como família
o conjunto de pais e filhos, tios e primos, avós e sogros.
As relações familiares eram complementadas pela instituição do compadrio, que
servia para integrar outras pessoas à família, estreitando assim os laços entre
vizinhos e entre patrões e empregados. Até mesmo os escravos podiam ser
apadrinhados pelos senhores de terra.
Havia duas formas principais de tornar-se compadre e comadre, padrinho e
madrinha: uma era, e ainda é, pelo batismo; a outra, por meio da fogueira. Nas
festas de São João, os homens, principalmente, formavam duplas de compadres de
fogueira: ficavam um de cada lado da fogueira e deveriam pular as brasas
dando-se as mãos em sentido cruzado. Era comum recitarem versos como estes:
São João dormiu,
São Pedro acordô,
vamo sê cumpadre
que São João mandô.
(Nordeste sertanejo.)
Ou:
São João disse,
São Pedro confirmou,
que nosso Senhor Jesus Cristo mandou
a gente ser compadre
nesta vida e na outra também.
(Amazônia cabocla.)
Os laços de compadrio eram muito importantes, pois os padrinhos podiam
substituir os pais na ausência ou na morte destes, os compadres integravam
grupos de cooperação no trabalho agrícola e os afilhados eram devedores de
obrigações aos padrinhos. A instituição beneficiava os patrões, que tinham um
séquito de compadres e afilhados leais tanto nas relações de trabalho como nas
campanhas políticas, quando se beneficiavam do voto de cabresto.
O compadrio ainda vigora em muitas localidades, mas o processo de urbanização
que hoje atinge todas as regiões do país enfraquece essa instituição e promove
diversas mudanças nas formas de sociabilidade. Atualmente, os favores (doações,
pagamentos, promessas) têm sido mais importantes nas eleições do que a lealdade
advinda dos laços de compadrio.
As Comemorações Juninas no Brasil
Na Europa, os festejos do solstício de verão foram adaptados à
cultura local, de modo que em Portugal foi incluída a festa de Santo Antônio de
Lisboa ou de Pádua, em 13 de junho. A tradição cristã completou o ciclo com os
festejos de São Pedro e São Paulo, ambos apóstolos da maior importância,
homenageados em 29 de junho.
Quando os portugueses iniciaram o empreendimento colonial no Brasil, a partir de
1500, as festas de São João eram ainda o centro das comemorações de junho.
Alguns cronistas contam que os jesuítas acendiam fogueiras e tochas em junho,
provocando grande atração sobre os indígenas.
Mesmo que no Brasil essa época marcasse o início do inverno, ela coincidia com
a realização dos rituais mais importantes para os povos que aqui viviam,
referentes à preparação dos novos plantios e às colheitas. O período que vai de
junho a setembro é a época da seca em muitas regiões do Brasil, quando os rios
estão baixos e o solo pronto para enfrentar o plantio. Derruba-se a mata,
queimam-se as ramagens para limpar o terreno, que é adubado com as cinzas, e a
seguir começa o plantio. É a técnica da oivara, tão difundida entre os povos do
continente americano.
Nessa época os roçados velhos, do ano anterior, ainda estão em pleno vigor,
repletos de mandioca, cará, inhame, batata-doce, banana, abóbora, abacaxi, e a
colheita de milho, feijão e amendoim ainda se encontra em período de consumo.
Esse é um tempo bom para pescar e caçar. Uma série ritual, que dura todo o
período, inclui um conjunto muito variado de festas que congregam as
comunidades indígenas em danças, cantos, rezas e muita fartura de comida.
Deve-se agradecer a abundância, reforçar os laços de parentesco (as festas são
uma ótima ocasião para alianças matrimoniais), reverenciar as divindades
aliadas e rezar forte para que os espíritos malignos não impeçam a fertilidade.
O ato de atear fogo para limpar o mato, além de fertilizar o solo, serve
principalmente para afastar esses espíritos malignos.
Houve, portanto, certa coincidência entre o propósito católico de atrair os
índios ao convívio missionário catequético e as práticas rituais indígenas,
simbolizadas pelas fogueiras de São João. Talvez seja por causa disso que os
festejos juninos tenham tomado as proporções e a importância que adquiriram no
calendário das festas brasileiras.
Origem das Festas Juninas: A coleta e o cultivo
O ciclo anual da natureza prevê a morte e o ressurgimento da
vegetação. Todos os anos as plantas passam por um processo de transformação: no
outono, as folhas mudam de cor, tornando-se amareladas e murchas; no inverno,
elas caem e deixam a planta sem folhas até que chega a primavera. O sol então
começa a brilhar com mais intensidade e a vegetação renasce, brota e floresce
para oferecer as sementes do novo ciclo, cujos frutos estarão maduros no verão.
No Hemisfério Norte, as quatro estações do ano estão demarcadas nitidamente; na
região equatorial e nas tropicais do Hemisfério Sul, o movimento cíclico
alterna os períodos de chuva e de estiagem, mas ainda assim o ciclo vegetativo
pode ser observado da mesma maneira - alteração na coloração e perda das
folhas, seca e renascimento. O que ocorre com a natureza é algo semelhante à
saga de Tamuz e Adônis (veja quadro à página 18), que submergem do mundo
subterrâneo e retornam todos os anos para viver com suas amadas Istar e
Afrodite e com elas fertilizar a vida.
Origem das Festas Juninas
O calendário das festas católicas é marcado por diversas
comemorações de dias de santos. Seu ciclo mais importante se inicia com o
nascimento de Jesus Cristo e se encerra com sua paixão e morte. Na tradição
brasileira, as maiores festas são Natal, Páscoa e São João. As comemorações de
cunho religioso foram apropriadas de tal forma pelo povo brasileiro que ele
transformou o Carnaval - ritual de folia que marca o início da Quaresma, período
que vai da quarta-feira de Cinzas ao domingo de Páscoa - em uma das maiores
expressões festivas do Brasil no decorrer do século XX.
Do mesmo modo, as comemorações de São João (24 de junho) fazem parte de um
ciclo festivo que passou a ser conhecido como festas juninas e homenageia, além
desse, outros santos reverenciados em junho: Santo Antônio (dia 13) e São Pedro
e São Paulo (dia 29).
Se pesquisarmos a origem dessas festividades, perceberemos que elas remontam a
um tempo muito antigo, anterior ao surgimento da era cristã. De acordo com o
livro O ramo de ouro, de sirJames George Frazer, o mês
de junho, tempo do solstício de verão (no dia 21 ou 22 de junho o Sol, ao
meio-dia, atinge seu ponto mais alto no céu; esse é o dia mais longo e a noite
mais curta do ano) no Hemisfério Norte, era a época do ano em que diversos
povos - celtas, bretões, bascos, sardenhos, egípcios, persas, sírios, sumérios
- faziam rituais de invocação de fertilidade para estimular o crescimento da
vegetação, promover a fartura nas colheitas e trazer chuvas.
Na verdade, os rituais de fertilidade associados ao cultivo das plantas,
incluindo todo o ciclo agrícola - a preparação do terreno, o plantio e a
colheita -, sempre foram praticados pelas mais diversas sociedades e culturas
em todos os tempos. Das tradições estudadas por Frazer destacam-se os ritos
celebrados nas terras do Mediterrâneo oriental (Egito, Síria, Grécia,
Babilônia) com o objetivo de regular as estações do ano, especialmente a
passagem da primavera para o verão, que sela a superação do inverno.
Créditos: Ideia criativa Gi Barbosa