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1.2.12

Para refletir ...

A COTOVIA E OS SAPOS
(Adaptação livre de uma fábula chinesa)


      Era uma vez uma sociedade de sapos que vivia no fundo de um poço escuro e profundo, do qual absolutamente nada se via do mundo exterior. Eram governados por um enorme Sapo-Chefe, um valentão que afirmava, sob pretextos um tanto dúbios, ser dono do poço e de tudo quanto nele saltava ou rastejava. O Sapo-Chefe jamais movia uma palha para se alimentar ou se manter, vivendo do trabalho de diversos sapos trabalhadores com os quais ele compartilhava o poço.
        Essas pobres criaturas passavam todas as horas de seus dias escuros e muitas de suas noites tenebrosas a se matar na umidade e no lodo para encontrar os vermes e os insetos que
engordavam o Sapo-Chefe. De vez em quando, uma cotovia excêntrica voava para dentro do poço (sabe Deus por Quê!) e contava para os sapos as maravilhas que vira em suas viagens pelo imenso mundo lá
fora. Falava do sol, da lua e das estrelas, das montanhas altaneiras, dos vales férteis e dos vastos
mares, e ainda da delícia de explorar o espaço infinito.
         Sempre que a cotovia chegava de visita, o Sapo-Chefe recomendava aos sapos trabalhadores que escutassem atentamente tudo o que o pássaro tinha para contar. “Ela lhes está falando”, explicava o Sapo-Chefe (que, de qualquer modo, era meio surdo e nunca sabia direito o que a cotovia estava dizendo; achava aquela ave esquisita e inteiramente maluca), “da terra feliz para onde vão todos os sapos bons...”
           É possível que um dia os sapos trabalhadores se houvesses imbuído daquilo que o Sapo- Chefe lhes dizia. Com o tempo, porém, haviam se tornado céticos em relação aos contos da carochinha e chegado à conclusão de que aquela cotovia tinha um parafuso a menos. Além disso, haviam sido convencidos por alguns sapos livre-pensadores de que aquele pássaro estava sendo usado pelo Sapo-Chefe para consolá-los e distraí-los com histórias das maravilhas que existem no céu para os que morrem. “E isso é mentira!”, coaxavam furiosamente os sapos trabalhadores.
            Entretanto, havia entre eles um Sapo-Filósofo que formulara uma idéia nova e interessante a respeito da cotovia. “O que a cotovia diz não é exatamente uma mentira”, dizia ele. “Nem é loucura. Na verdade, ao falar dessa maneira esquisita, ela está se referindo ao lugar maravilhoso em que poderíamos transformar esse poço, se quiséssemos. Quando fala do sol e da lua, está se referindo às magníficas formas de iluminação moderna que poderíamos adotar para afugentar as trevas em que vivemos. Quando canta os céus altos, refere-se à saudável ventilação de que devíamos gozar, ao invés dos ares úmidos e fétidos a que nos acostumamos. Quando louva a embriaguez que vive ao lançar-se pelos céus, refere-se à delícia dos sentidos liberados que todos nós conheceríamos se não fôssemos obrigados a desperdiçar nossas vidas nesta labuta opressiva. E o que é mais importante: quando a cotovia enaltece o vôo altivo e livre entre as estrelas, refere-se à liberdade que todos teremos quando nos livrarmos da opressão do Sapo-Chefe. Vêem? Não devemos desdenhar do pássaro. Em lugar disso, ele deve ser apreciado e louvado por nos proporcionar uma inspiração que nos livra do desespero.”
            Graças ao Sapo-Filósofo, os sapos trabalhadores passaram a olhar a cotovia com afeição. Na verdade, quando chegou afinal a revolução (pois as revoluções sempre acabam vindo), os sapos trabalhadores até mesmo pintaram a imagem da cotovia em seus estandartes e marcharam para as barricadas fazendo o máximo que podiam para, com o seu coaxar, imitar-lhe o belo canto. Derrubado o Sapo-Chefe, o poço escuro e úmido tornou-se magnificamente iluminado e ventilado, transformando-se num lugar muito melhor para viver. Além disso, os sapos experimentaram um novo e gratificante lazer, acompanhado de muitas delícias dos sentidos – justamente como o Sapo-Filósofo havia previsto.
                Entretanto, a cotovia continuou a visitar o poço, contando histórias do sol, da lua e das estrelas, de
montanhas, vales e oceanos, e de esplêndidas aventuras que vivera nos céus. “Quem sabe – conjeturou o Sapo-Filósofo – se afinal de contas esse pássaro não seja mesmo louco? Já não temos necessidade alguma dessas canções enigmáticas. E, seja como for, é muito cansativo ter de escutar fantasias quando já perderam sua relevância social. Assim, um dia, os sapos conseguiram capturar a cotovia. Depois, empalharam-na e colocaram-na no recém-construído Museu Cívico (entrada gratuita...) em lugar de honra.

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